Brigas, xingamentos, agressões físicas, abuso emocional e sexual. Essas são histórias vividas por diversas mulheres em situação de violência doméstica e familiar. É em meio a este cenário que a artesã Ana Sene, de 25 anos, foi acolhida pela Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de Itaquaquecetuba. Mãe de um filho de apenas um ano, ela faz parte da estatística apontada pela Delegacia de Defesa da Mulher, que somente neste ano já registrou 114 boletins de ocorrência.

Tudo começou ainda em São José dos Campos, no interior de São Paulo, cidade onde Ana nasceu e foi criada por uma família desestruturada. A palavra acolhimento não fazia parte do vocabulário. “Eu cresci com uma família sem estrutura e vivia uma situação muito difícil. Conheci um rapaz e enfim vi a possibilidade de ter uma família diferente da que eu fui criada”, contou. 

Com a rotina e a gravidez, a expectativa de formar uma família foi logo sendo frustrada. O relacionamento não deu certo e meses após o nascimento da criança, a artesã optou por viver sozinha com o filho para ser dona do próprio destino. “Foi uma fase complicada. Passei por situações difíceis e estava sozinha, só eu e meu filho. Pensei até em suicídio, mas quando lembrava do meu filho, via a necessidade de continuar”, lembra. 

Vulnerável e sem apoio, foi por meio das redes sociais que a chance de um novo amor foi criada, quando conheceu um morador de Itaquá. “Ele me prometeu muitas coisas, parecia ser alguém incrível. Disse que teríamos uma casa e tudo ficaria bem”, relatou. Apenas quando chegou na cidade, Ana pôde conhecer outras personalidades do companheiro e não demorou para que o abuso psicológico começasse.

“Ele falava que a cidade era muito perigosa e que se eu saísse de casa seria roubada ou sequestrada. Na verdade ele só queria me manter dependente, não me motivava em nada”, contou. O auge aconteceu em 2021, quando a vítima chegou a ficar seis meses em casa, com medo de sair. Diante das dificuldades, o trabalho artesanal a ajudava, dando-lhe esperança de conseguir sair daquela situação. Entretanto, por interferência do agressor, mais uma vez, as possibilidades tornaram-se inviáveis e ela continuou em situação de cárcere.

“Eu comecei a gravar as agressões, precisei provar para pessoas próximas o que ele fazia comigo, já que ele parecia ser a melhor pessoa do mundo”. O ciclo só foi rompido após ela sofrer violência sexual e receber o apoio de outras mulheres próximas a ela. Com o suporte, a artesã foi apresentada à Secretaria de Política para Mulheres, seu ex-companheiro foi denunciado e ela conseguiu se separar. Nesse processo, viu a possibilidade de reerguer sua vida por meio do artesanato e das feiras itinerantes realizadas no município.

“Eu sempre trabalhei como autônoma: cabeleireira, manicure, maquiadora e aos poucos como artesã. Eu precisava de um trabalho flexível e o artesanato me deu essa oportunidade”, relatou. Hoje, Ana faz bonequinhos e bichinhos de crochê, chamados de amigurumi, e os comercializa ao lado de outros artesãos na Feira de Artesanato, no centro de Itaquá, em um espaço disponibilizado pela Secretaria Municipal de Cultura de quarta a domingo, das 10h às 18h.

Esse é um de diversos acolhimentos promovidos pela Secretaria de Políticas para Mulheres. A pasta impulsiona o apoio às políticas públicas de atendimento, proteção e acolhimento às vítimas de violência. “São ações e programas que mudam uma vida e comigo não foi diferente. Hoje eu estou motivada a continuar trabalhando, expondo minha arte e assim conseguir me reerguer. Já não penso em sair de Itaquá, sinto que me encontrei”, finalizou a artesã.