O início do ano letivo se aproxima, e as famílias que adiaram a busca por material didático até depois das festas agora se deparam com uma lista de livros que impacta seu orçamento. Para contornar esse custo e garantir a permanência dos filhos na instituição escolhida, muitos optam por adquirir livros usados ou participar de grupos de troca-troca.
Nesse segmento de mercado, algumas pessoas estão encontrando oportunidades para uma renda extra, oferecendo serviços que viabilizam o uso de materiais de segunda mão. Surgem assim as apagadoras e encapadoras de livros, cujos anúncios e demanda podem ser facilmente encontrados nos grupos de WhatsApp de pais de alunos, especialmente antes do início das aulas.
Por uma necessidade pessoal, quando suas filhas mudaram de escola, Yonêda Sampaio Aires, de 46 anos, identificou uma oportunidade de empreender. Diagnosticada com câncer e enfrentando algumas dificuldades financeiras em 2019, ela começou a oferecer serviços de apagar, restaurar e encapar livros didáticos usados.
“Me vi desempregada, doente e notei que muitas mães não tinham tempo para fazer essas atividades. Foi assim que comecei a fazer.”
Em seu sexto ano de atuação, Yonêda Sampaio Aires compartilha que a procura começa em novembro, quando as escolas divulgam as listas de materiais, e continua até março do ano seguinte. Devido à natureza manual do trabalho, que demanda tempo e dedicação, Yonêda consegue realizar, em média, a encapagem e restauração de 100 livros por temporada.
“Eu acabo rejeitando serviço porque não vou ter como entregar. Minhas filhas, que são adolescentes (12 e 17 anos), até me ajudam a apagar alguns exemplares, mas o pesado do trabalho é todo comigo.”
Com formação em Pedagogia e Enfermagem, ela permanece sem encontrar uma oportunidade no mercado de trabalho, dependendo exclusivamente deste serviço para sua fonte de renda. Essa renda é destinada à aquisição dos materiais escolares e uniformes para as duas filhas.
“Nunca contabilizei o quanto ganho, mas tem clientes que o serviço custa R$ 8, R$ 12, e tem uma cliente, esse ano, que pagará R$ 600. Esse é o meu maior trabalho para uma só pessoa, que me entregou duas coleções inteiras de uma rede de colégios (um total de 36 livros).”
Quanto a esse caso mais recente, Yonêda observa que a cliente desembolsou adicionalmente R$ 600 para adquirir os livros usados. Embora pareça um montante elevado, a soma total representa aproximadamente um terço do valor que a mãe gastaria ao comprar as coleções novas.
A especialista em restauração de livros assegura que todas as clientes fixas já têm suas vagas reservadas. Atualmente, ela está aceitando apenas trabalhos de coleções em que é possível fornecer os livros usados necessários para os primeiros meses de aula. “Os dos outros semestres entrego em março para não atrasar os estudos e dar tempo de todos terem os seus primeiros dias com livros nas mochilas.”
Ao ser questionada sobre o processo de apagar os materiais didáticos, ela compartilha que, para um livro com aproximadamente 200 páginas, são requeridas cerca de nove borrachas. “Uso três tipos de borrachas diferentes para ficar muito bom e a criança não veja as respostas anteriores.”
“Gosto de fazer, mas é cansativo. Demoro cerca de 12 horas para fazer todo o trabalho em um livro. Meu dedo fica inchado de apagar e sou obrigada a fazer intervalos, Por isso, peço que os pais não deixem para a última hora para me procurar.”
Dado o alto custo dos livros para a maioria das famílias, uma alternativa para aumentar sua durabilidade é o encapamento. Desse modo, ao término do ano letivo, os materiais podem ser incluídos em grupos de troca, proporcionando-lhes uma sobrevida.
Com foco nesse zelo pela durabilidade, Andréia Nunes, de 46 anos, percebeu que sua habilidade em encapar os livros de seus filhos com papel adesivo estava sendo reconhecida pelas professoras. Há 8 anos, em meio a um momento de dificuldade financeira, ela decidiu empreender utilizando essa habilidade.
“Fui falando com as mães amigas, perguntando se alguém tinha interesse e assim foi crescendo o trabalho com aquela propaganda do boca a boca.”
Com o passar do tempo, a divulgação passou a ser realizada em grupos de WhatsApp, e no início do ano letivo de 2023, Andréia encapou mais de três mil livros didáticos, abrangendo tanto os novos quanto os usados. Além disso, ela também realiza pequenos restauros nas capas, se necessário.
“Comecei a falar com as administradoras dos grupos pedindo para divulgar e hoje atendo mães de todos os colégios de Fortaleza. Já tenho uma clientela muito boa e a cada ano só aumenta.”
Continuando a falar sobre a sua atividade, Andréia recorda que todo início de ano era desafiador, com despesas elevadas relacionadas à matrícula dos filhos, aquisição de uniformes e compra de materiais. “Para conseguir manter meus filhos estudando, iniciei a questão do encapamento e hoje, eles já estão indo para a faculdade, graças a Deus e por muito tempo a renda extra que tive foi toda do encapamento.”
Mesmo possuindo atualmente uma mercearia e se dedicando à criação de animais na zona rural da cidade de Madalena, ela continua com o trabalho de encapamento devido à clientela que conquistou ao longo do tempo. “Dou continuidade até quanto Deus estiver me dando força.”
Ao ouvir queixas de familiares sobre os custos com material escolar, a jovem Laura Louzada Ribeiro, de 16 anos e estudante do 2º ano do ensino médio, identificou uma oportunidade de gerar alguma renda neste período do ano ao oferecer o serviço de apagar livros didáticos usados. “Essa alternativa de comprar livros usados tem sido bem recorrente em várias famílias, inclusive desde pequena sempre usei livros usados. Dentro desse cenário surgiu essa oportunidade.”
Como é a estreia de Laura nessa atividade, desde o final do ano passado até o momento, ela já recebeu aproximadamente 25 livros para apagar. Ao determinar os preços para o serviço, a jovem considerou a quantidade de páginas, e a cobrança varia entre R$ 15 e R$ 30.
Quanto ao montante recebido, ela relata que o utiliza em seu dia-a-dia, como para sair com os amigos. “Ou, às vezes, economizo para comprar algo que eu queira mais.”
Maria de Fátima Andrade, mãe de Laura, destaca que a filha sempre teve consciência do investimento que seus pais faziam em seu material escolar e em sua formação. “Sempre ensinamos para ela, desde pequena, a importância e o valor das coisas. Dar valor a cada conquista, saber, desde cedo, as dificuldades. Bem como ela conseguir o que deseja através do esforço dela”. Ela ainda lembra que a menina sempre foi muito estudiosa, “comprometida ao extremo”. Assim, também tem renda dando aulas de reforço e de inglês.
O economista especializado em educação financeira, Érico Veras Marques, observa que, por um lado, existem as restrições econômicas enfrentadas pelas famílias, e por outro, há alguém descobrindo uma oportunidade de renda em resposta a essas dificuldades. Ele expressa surpresa ao tomar conhecimento de que indivíduos estão desempenhando a atividade de “apagador de livros”.
Ele observa que, mesmo com a melhoria nas condições de muitas famílias que estavam endividadas e aderiram ao Desenrola (programa do governo federal), a maioria optou por negociar e está cumprindo os pagamentos, o que continua a limitar a renda. Além disso, Veras destaca que este é um período marcado por muitos gastos de final de ano, o que também impacta o orçamento.
Fonte: Diário do Nordeste