Massacre do Carandiru, maior chacina em uma prisão brasileira, completa 30 anos

Cerca de 3,5 mil tiros foram disparados em um período de aproximadamente 20 minutos. Era o dia 2 de outubro de 1992, uma sexta-feira, às 16h20, quando 341 policiais da Tropa de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo foram mobilizados para conter uma revolta que eclodiu no Pavilhão 9 da Casa de Detenção, localizada no Complexo do Carandiru. Eles ingressaram nas instalações portando cães, bombas e armas de fogo pesadas.

O resultado dessa operação foi devastador, com 111 mortos, todos eles detentos, o que marcou esse evento trágico na história com o nome de “Massacre do Carandiru”. Posteriormente, evidências confirmaram que os presos foram alvejados com armas de fogo, incluindo fuzis AR-15 e submetralhadoras HK e Beretta. Esse dia é frequentemente lembrado como o auge da crise no sistema prisional brasileiro.

Passadas três décadas, o Massacre do Carandiru continua a ser objeto de uma contenda de narrativas, com implicações significativas na reformulação do sistema prisional e nas atividades criminosas, deixando uma marca indelével na consciência coletiva por meio de obras literárias, filmes e canções.

Esse episódio representa a ação policial mais violenta já ocorrida em uma penitenciária brasileira. Ele ocorreu em resposta a uma revolta dos detentos, que incluiu incêndio de colchões e destruição das celas. Após a comoção causada pela tragédia e intensa pressão de ativistas de direitos humanos, houve uma revisão na política prisional, especialmente no estado de São Paulo.

Com a chegada do novo governador, Mario Covas, em 1995, sua administração implementou projetos para reformar o sistema penitenciário. Isso resultou na construção de novos presídios com menos superlotação, estabelecendo um limite de 800 detentos por unidade. O Carandiru, que abrigava 7 mil presos, foi fechado, e São Paulo passou a contar com várias unidades prisionais distribuídas pelo estado. O número de presídios aumentou significativamente, passando de pouco mais de 30 para os atuais 179. Além disso, houve uma gradual terceirização da administração interna dos presídios.

Por outro lado, no contexto histórico, os criminosos também se uniram mais, seja por medo de novos massacres, seja com o desejo de vingar o sistema. A multiplicação de estabelecimentos prisionais, embora tenha reduzido o tamanho dos grupos, favoreceu a formação de mais lideranças, fortalecendo-as perante suas comunidades menores.

Em 1993, surgiu a facção paulista conhecida como PCC (Primeiro Comando da Capital), que se apresentava oficialmente como uma defesa dos detentos “que o Estado desejava eliminar ou exterminar”. O discurso do PCC incluía a ideia de que, para sobreviver, era necessário fortalecer o crime e confrontar seu inimigo principal: o sistema prisional. Essa dinâmica, de acordo com o pesquisador Bruno Paes Manso, deu origem a “um novo modelo de profissionalização do crime”. O sucesso do PCC, que se tornou a maior facção criminosa do país em poucos anos, evidencia que a união dos criminosos alcançou seus objetivos, operando como uma organização que combina características de sindicato e cooperativa do crime.

É importante notar que o surgimento do PCC não foi diretamente resultado do Massacre do Carandiru, mas a facção utilizou o evento para moldar seu discurso e estatuto, inserindo-o em seu contexto histórico e justificando sua formação.

A repercussão do Massacre do Carandiru também teve impacto na formação da Polícia Militar e na segurança pública em São Paulo, mas há divergências de opinião sobre o papel desse evento na união de presos e no surgimento de facções criminosas.

O coronel Silva Filho avalia que uma importante repercussão do incidente foi o aumento do investimento na capacitação dos quadros, especialmente na gestão, da Polícia Militar de São Paulo. Ele argumenta que a polícia enfrentou críticas intensas, severas e persistentes após o ocorrido, não apenas em relação àquela tropa específica, mas também em relação ao seu despreparo, uso excessivo de violência e falta de controle. Essas críticas, vindas tanto da academia quanto de diversos órgãos, levaram os policiais a adotar uma abordagem mais cautelosa.

O coronel explica que, alguns anos mais tarde, isso se refletiu em um aumento significativo do investimento na formação e gestão das tropas. Ele observa que houve um grande impulso para melhorar a preparação dos policiais, incluindo uma revisão da estrutura, dos valores e da formação. Atualmente, a Polícia Militar instituiu programas de mestrado e doutorado para seus membros de alto escalão, resultando em uma melhoria substancial na capacitação da alta gestão em uma organização complexa como a PM.

O massacre levou à demissão do então secretário de segurança pública de São Paulo, Pedro Franco de Campos, que foi substituído por Michel Temer. O governador da época, Luiz Antônio Fleury Filho, reconheceu que a ação policial foi criminosa. Além disso, a repercussão internacional levou o Brasil a ser denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a operação, enfrentou um julgamento em 2001 após um processo de 8 anos e mais de 20 mil páginas de investigação. A perícia evidenciou que 75% dos detentos mortos estavam dentro das celas e que os tiros foram disparados de fora para dentro, indicando uma clara intenção de matar. Guimarães foi condenado a 632 anos de prisão, mas teve o direito de recorrer em liberdade. Mais tarde, em 2006, sua sentença foi anulada e ele foi absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. No entanto, ele foi assassinado em setembro de 2006, encontrando-se morto em seu apartamento com um tiro no abdômen.

Outros policiais envolvidos também foram julgados em grupos distintos. Em 2013, 23 militares foram condenados a 156 anos de prisão, seguidos por 25 outros policiais que receberam sentenças de 624 anos. No ano seguinte, 10 oficiais adicionais foram condenados, nove a 96 anos e um a 104 anos de detenção. Finalmente, em uma última etapa, 15 policiais foram sentenciados a 48 anos de prisão. Todos eles tiveram o direito de recorrer em liberdade, e até o momento, ninguém foi preso em decorrência dessas condenações.

O jornalista e estudioso de fenômenos de violência urbana, Bruno Paes Manso, observa que o caso do Carandiru oferece uma lição importante: o sistema prisional não é a solução para conter a criminalidade. Ele ressalta que, em certo momento, houve a crença de que o aumento do número de pessoas presas resolveria o problema e tornaria as ruas mais seguras. No entanto, essa abordagem se mostrou inadequada e gerou novos problemas.

Paes Manso argumenta que é necessário adotar uma abordagem mais estratégica e inteligente para reduzir a criminalidade, em vez de uma postura de “guerra contra o crime”. Ele enfatiza que o Brasil precisa repensar sua estratégia, já que continua seguindo um modelo que não está produzindo resultados eficazes, tornando o sistema prisional cada vez mais sobrecarregado.