Fechada desde 1995, a primeira mina de urânio do país, localizada em Caldas (MG), ainda precisa resolver um grande desafio antes de ser completamente descomissionada: o destino de resíduos radioativos armazenados há décadas, conhecidos como Torta II. O material, resultado do tratamento químico da monazita para extração de terras raras em uma antiga unidade em São Paulo, contém cerca de 50% de tório e 1% de urânio, e soma mais de 11 mil toneladas em Caldas. Ele está armazenado em milhares de tambores e silos de concreto, aguardando definição sobre seu futuro.
Um legado da mineração
A mina de Caldas produziu, nos anos 1980, 1,5 mil toneladas de concentrado de urânio que abasteceram a usina de Angra I, impulsionando o programa nuclear brasileiro. Desde o fechamento, a área permaneceu improdutiva, enquanto os resíduos aguardavam condições adequadas de armazenamento. Apenas em 2025, a empresa recebeu licença ambiental para iniciar o descomissionamento da unidade, processo que envolve a desativação completa, remoção de estruturas e recuperação ambiental do terreno.
Segurança e impacto ambiental
O armazenamento da Torta II sempre gerou preocupação entre moradores, devido à proximidade de rios, córregos e uma Área de Proteção Ambiental. Segundo autoridades, a área está controlada e os materiais recebem proteção radiológica adequada. Nos últimos anos, tambores que apresentavam sinais de deterioração foram sobre-embalados e os pallets de madeira substituídos por estruturas metálicas.
Além da Torta II, a mina abriga cerca de 15 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração de urânio, que podem gerar água ácida quando em contato com a chuva. Sistemas de captação e tratamento minimizam o risco, mas parte da água ainda atinge o Rio Soberbo. A unidade também possui barragens de contenção, incluindo a barragem D4, atualmente em nível de alerta.
Um problema global
A questão da destinação de resíduos nucleares não é exclusiva do Brasil. Países como Finlândia e Alemanha estudam depósitos geológicos profundos para armazenamento seguro, enquanto nos Estados Unidos milhares de toneladas de lixo nuclear ainda aguardam solução definitiva. No país, o governo projeta o Centena – Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental, previsto para iniciar operações entre 2028 e 2029, mas a Torta II pode não ser enviada para lá devido ao seu potencial de exploração comercial, já que contém tório, urânio e terras raras.
Prazo e orçamento do descomissionamento
O descomissionamento da mina de Caldas deve durar entre duas e três décadas, com custo estimado em R$ 688 milhões. O projeto inclui desmontagem de estruturas, destinação de resíduos, remediação ambiental, recuperação de áreas e monitoramento contínuo. Especialistas destacam que a operação servirá como referência no Brasil para a gestão de rejeitos nucleares e planejamento ambiental de minas.
O que ainda está por vir
O destino da Torta II ainda não foi definido. A INB estuda alternativas como venda do material, envio a instalações licenciadas ou acondicionamento definitivo na própria unidade. A etapa final do descomissionamento permitirá que o terreno seja recuperado, com uso restrito ou reaproveitamento controlado, dependendo da aprovação dos órgãos ambientais.
Apesar das décadas de espera, a licença para descomissionamento trouxe alívio para a população local, que convive há anos com o risco de contaminação, e abre caminho para um planejamento ambiental mais seguro e estruturado para o futuro.




