Os custos dos planos empresariais de saúde no Brasil ultrapassaram a média global, e é previsto um reajuste de aproximadamente 25% em 2024, afetando cerca de 41 milhões de pessoas.
O que ocorreu
A inflação médica foi três vezes superior à inflação oficial, IPCA. Enquanto os preços em geral aumentaram 4,8% no ano passado, a inflação médica subiu para 14,1%. Isso supera a média global de 10,1%. Os dados são da consultoria AON, que analisou os custos dos insumos médicos em 113 países no ano passado.
O reajuste nos planos empresariais pode atingir até 25%. Esse índice leva em consideração não apenas a inflação médica, mas também fatores como fraudes, utilização dos planos e desempenho financeiro. Em 2023, o setor registrou um déficit operacional de R$ 5,1 bilhões.
Por que a inflação médica é mais alta no Brasil? “O Brasil possui a maior população e território na América Latina, enfrentando desafios amplos como eficiência operacional e distribuição de recursos“, afirma o vice-presidente da AON Brasil, Leonardo Coelho.
“As coberturas e medicações obrigatórias aumentaram consideravelmente nos últimos anos. Além disso, o Brasil restringe a oferta de planos com coberturas mais especializadas e acessíveis, o que é menos limitado em outras regiões.”
–Leonardo Coelho
“As principais operadoras anunciaram reajustes acima de 20% para empresas com até 29 vidas. Já a média ponderada dos planos empresariais [com diferentes portes e número de segurados] atingiu um reajuste de 25%.”
–Luiz Feitoza, consultor da Arquitetos da Saúde
“Esses 25% são inaceitáveis“, critica Mario Scheffer, pesquisador e professor da Faculdade de Medicina da USP. “Essa abordagem simplista ignora o fluxo de recursos, créditos e empréstimos, além de desconsiderar a capacidade de investimento das operadoras.”
“Informações básicas estão ausentes: quantos clientes pagam mais de R$ 5.000 por mês? Quantos pagaram e não utilizaram o plano no último ano?“
–Mario Scheffer
Aumento sem regulação
A oferta de planos a 10,8 milhões de trabalhadores já representa 14% da folha de pagamento apenas na indústria. Em 2012, esses gastos correspondiam a 11,7% da folha, conforme a CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Esse aumento ocorre porque os planos empresariais não são regulamentados pela ANS (Agência Nacional de Saúde). A operadora determina apenas o índice de reajuste para os planos familiares e individuais, que foi de 9,63% no ano passado. Para 2024, o Citibank prevê um aumento de 8,7%.
Para escapar da regulamentação da ANS, as operadoras reduziram a oferta de planos individuais e familiares. A estratégia para atrair novos clientes, segundo especialistas, é oferecer planos mais baratos, com até cinco vidas, aos proprietários de pequenas empresas, que utilizam o CNPJ para contratar um “plano empresarial” para sua família, conhecidos como “pejotinhas”.
“No entanto, no primeiro reajuste, eles se deparam com surpresas, pois não há limite para o aumento. Já vimos casos de reajustes de até 40%.”
–Rafael Robba, especialista em saúde da Vilhena Silva Advogados
No ano passado, o setor alcançou 50,9 milhões de clientes. No entanto, muitos desses planos são de “pejotinhas”, que tiveram um aumento significativo nos últimos anos. Em 2019, antes da pandemia, cerca de 38% das operadoras já não vendiam contratos individuais, que eram restritos a 20% dos segurados no Brasil.
R$ 3.000 de aumento
Um exemplo é o consultor Jean Paul Robin, 59 anos. Em janeiro, ele recebeu uma notificação da SulAmérica informando que seu plano teria um reajuste de 24,7% em março, passando de R$ 11,6 mil para R$ 14,4 mil para ele, sua esposa e seus dois filhos.
Jean decidiu buscar alternativas. Preocupado com o custo do plano familiar e com dificuldades para encontrar outro com características semelhantes, procurou um corretor. “Ele sugeriu migrar para um plano empresarial, pois sairia mais em conta“, afirma.
Contudo, as surpresas vieram com os primeiros reajustes. “Sempre muito altos. Mudei para outro, e a história se repetiu“, relata. Após acionar uma das operadoras judicialmente, a mensalidade foi reduzida. “Estou na SulAmérica há um ano, e já me deparo com esse aumento.”
“A inflação não chegou a 5%. Essa discrepância é absurda.”
–Jean Paul Robin
A SulAmérica alega que o percentual foi determinado pela inflação médica e pela utilização do plano.
De quem é a culpa?
O setor argumenta que o uso dos planos disparou após a pandemia. A utilização aumentou a ponto de 89,2% das receitas com mensalidades serem destinadas ao atendimento médico em 2023. Antes da pandemia, essa proporção variava entre 80% e 82%. “No ano passado, o aumento foi impulsionado por exames, terapias e internações“, afirma Leonardo Coelho, da AON.
As fraudes e o desperdício do setor são repassados para a mensalidade. Esses custos atingiram R$ 34 bilhões no ano passado, representando 12,7% do faturamento de R$ 270 bilhões das 14 maiores operadoras. Nos países desenvolvidos, esse índice gira em torno de 7%, conforme estudo divulgado pelo IESS (Instituto que pesquisa o setor).
Os aumentos surpreendentes convivem com “rescisões de contratos pelas operadoras”, segundo Scheffer. No ano passado, as reclamações contra rescisões de planos para autistas aumentaram. O setor argumenta que a ANS aumentou excessivamente a oferta de terapias para esse público, elevando os custos.
As operadoras estimam em 236 mil o número de crianças autistas com plano médico. Cada uma custaria até R$ 6.000 por mês, “movimentando próximo de R$ 1 bilhão mensal”, estima a Med Advance, clínica especializada em terapia ocupacional para autistas. “Um investimento alto em um segmento que não registrava demanda tão grande até 2020“, afirma Janderson Silveira, CEO da empresa.
“As operadoras sempre usam bodes expiatórios para obter benefícios. Já foram os idosos, os prestadores fraudulentos. Agora, os vilões são os autistas.”
–Mario Scheffer
O advogado Rafael Robba cobra da ANS que também determine o índice de reajuste nas mensalidades dos planos coletivos. Procurada, a agência afirmou que as regras de reajuste também são “estipuladas pela ANS”.
“A ANS estabelece um reajuste para planos individuais com base nos dados das operadoras. Como as operadoras chegam a 25% de aumento nos planos coletivos?“
–Rafael Robba
Texto por: Redação