Desafios do novo ensino médio: ‘Chorei sem saber o que ensinar’, relata professora

Durante uma aula de itinerário formativo destinada à turma do 3° B da Escola Estadual Armando Gomes de Araújo, a professora Cilene Santana, historiadora, depara-se com a necessidade de exibir um vídeo. Essa decisão é uma orientação proveniente do Mappa, abreviação para Material de Apoio ao Planejamento e Práticas do Aprofundamento, um conjunto de recursos fornecidos aos docentes pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP). Cilene é responsável pelo aprofundamento intitulado “A Cultura do Solo”.

Antes de dar início ao vídeo, os alunos indagam sobre a duração da apresentação:

-24 minutos – responde a professora.

-Ah, não, professora! É muito longo! – reclama um dos estudantes em nome da sala. A docente concorda e começa a procurar por um vídeo mais curto para manter a atenção dos jovens.

Essa situação é recorrente na Armando Gomes do Araújo, localizada no Itaim Paulista, no extremo leste de São Paulo, desde a implementação do novo ensino médio: uma resistência à aplicação das orientações da Seduc nas salas de aula.

Embora Cilene já tenha executado todas as atividades sugeridas pelo material de apoio, o Mappa não abrange todo o período letivo. Para evitar a falta de conteúdo, a professora precisou reexpor lições, o que gerou novas reclamações dos estudantes.

Para contornar a situação, uma nova estratégia foi adotada. A docente passou a reservar aulas dos aprofundamentos para abordar temas relacionados à sua formação original, nos quais ela possui mais afinidade e se sente mais à vontade.

Desde que meu planejamento de aula com base no Mappa terminou, tive que conversar com os alunos para entender quais conteúdos adicionais eu poderia trazer“, afirma. “Eles me pediram assuntos de História que são frequentes no Enem.

Em nota para esta série de reportagens, a Secretaria de Educação de São Paulo (Seduc-SP) afirma que os conteúdos dos materiais de apoio do Novo Ensino Médio foram elaborados “levando em consideração a matriz curricular e a carga horária estabelecidas para cada itinerário formativo, bem como possíveis alterações no calendário escolar e particularidades de cada unidade de ensino“.

Antes mesmo da implementação do novo ensino médio, a Armando Gomes de Araújo já enfrentava problemas de infraestrutura e disponibilidade de recursos para seus estudantes. A nova proposta, cujo futuro está pendente, aguardando a votação de sua revisão pelo Congresso Nacional, apenas agravou as dificuldades.

A escola possui turmas nos períodos da manhã e da noite, com um total de 805 alunos, incluindo estudantes do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Há também uma turma do Novotec Integrado, modalidade da rede estadual que concede ao estudante um certificado de conclusão do Ensino Médio com habilitação técnica.

Começamos com uma turma de 40 e, hoje, temos menos de 20 alunos que comparecem às aulas do Novotec. A maioria foi desistindo com o tempo“, relata Gabriel Barros, vice-diretor da escola.

Segundo Barros, muitos estudantes tinham a expectativa de que o ensino técnico seria um fator positivo, mas agora se queixam da redução das aulas de disciplinas tradicionais para acomodar o currículo em cultura digital, que consideram fraco. Isso resultou no abandono do curso.

O programa técnico também prejudicou o oferecimento de disciplinas dos itinerários formativos, a parte diversificada do currículo, como o ministrado por Cilene. As aulas de Novotec ocupam duas salas da Armando, incluindo a sala de informática, o que impede que os alunos das turmas de itinerário utilizem esse espaço para seus estudos.

Outro problema enfrentado pela gestão escolar foi a falta de recursos para oferecer disciplinas eletivas aos estudantes. Em 2020, a Armando realizou o “Feirão de Eletivas”, mas as opções de disciplinas eram limitadas, e nem todos os alunos demonstraram interesse nas disponíveis.

A partir do ano seguinte, já em meio à pandemia, o colégio passou a determinar as eletivas com base na atribuição de cada professor. Isso significa que, primeiro, a turma é atribuída a um docente e, em seguida, o docente leciona um conteúdo diretamente negociado com os alunos.

O entendimento dos itinerários também foi desafiador. A Diretoria de Ensino solicitou que a escola indicasse quais itinerários formativos tinha interesse em oferecer no primeiro ano do novo formato, de acordo com a lista de dez opções divulgada pelo Estado.

Os professores olharam a solicitação da Diretoria e viram que não sabiam como montar aquele documento“, afirma Barros. No final, o oferecimento das disciplinas ocorreu de acordo com a disponibilidade dos professores, e nem todos os alunos conseguiram ficar na turma do itinerário apontado como primeira opção.

A disciplina “Projeto de Vida” também é motivo de polêmica. O vice-diretor relata que a maioria dos estudantes reclama da forma como os conteúdos são abordados, evitando expor suas vidas pessoais. São perguntas provocadoras que exigem que o aluno discorra sobre o ambiente dentro de casa, gerando desconforto. Constantemente, alunos vinham reclamar da invasividade dessa disciplina.

No caso de Cilene, alguns itens do seu itinerário ainda representam um desafio, e ela costuma dizer à turma que suas aulas são como um “seminário”.

É algo que eu não possuo conhecimento total, mas que estou explicando para alguém ao mesmo tempo“, compartilha Cilene Santana, professora.

Segundo ela, quando informa à turma “hoje vamos ter seminário“, os alunos sabem que é um assunto que a professora não domina completamente, mas pesquisou para tentar ensiná-los.

A cada semana que se passa, a docente experimenta um alívio, considerando uma nova etapa com conteúdos concluídos. Mesmo assim, as tardes de domingo se transformaram em momentos de apreensão, com a preparação dos materiais da semana seguinte a partir de um material de apoio pedagógico escasso.

Teve um domingo em que comecei a chorar porque não sabia qual conteúdo daria aos meus alunos na semana seguinte“, revela Cilene.

Texto por: Redação

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